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Mostrando postagens de abril, 2025

Pimenta Rosa

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O tempero brasileiro é o melhor do mundo. Nossa comida sempre tem cor, tem sabor, mistura de iguarias e condimentos naturais. Sim, eu sei que tem gente que prefere o "sazón" original ou genérico, o "milagre japonês" ajinomoto, mas dessas pessoas a gente fala depois. Agora vamos falar de um assunto sério: você prefere coentro ou salsa? Eu já digo logo que sou uma péssima dançarina. Mas, na cozinha, confesso que tenho um pé em cada lado. O coentro, esse tempero controverso, amado no Norte e Nordeste e execrado por alguns paladares sensíveis do restante do Brasil, ele carrega na folha aquele frescor de maresia e um quê de ancestralidade indígena. A salsa, por outro lado, é diplomática, aceita em qualquer mesa, vai do feijão tropeiro ao arroz de festa. Mas se tem um tempero que prova nossa brasilidade — sem precisar dizer uma só palavra — é a pimenta-rosa. Primeiro, porque de pimenta ela só tem o nome — sua picância é quase um sussurro, um calor gentil. Depois, porque e...

Araras amadas

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  Que o Tocantins é lindo, todos sabemos! Nós, privilegiados, que aqui moramos, não perdemos nenhuma oportunidade de cantarmos suas belezas. Isto é uma prova de amor! O que dizer sobre as araras que cruzam o nosso céu, deixando-nos embevecidos, admirando seus voos? Sempre aos pares, tagarelando. Ao vê-las diariamente, dou asas à minha imaginação que me faz mergulhar nas incontáveis lembranças que venho colecionando ao longo dos meus anos. Dentre essas recordações, há algumas, em que as araras estiveram presentes na minha história. Quando tinha dezoito anos, como professora primária recém-formada, fui lecionar no sítio Bairro do Macuco, perto de Assis, minha cidade natal, no Estado de São Paulo.  Lá, na humilde casa onde me hospedava havia uma arara vermelha. Coitada: ela não voava, só pulava ou andava. A dona da casa me dissera que alguém tinha cortado as asas da arara para que ela não fugisse.  Era linda aquela arara, mas não gostava de mim. Cada vez que me via, corria n...

Constança e Esperança

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  Será Esperança o motor de minhas paixões? Guardo e uso com certa ternura a palavra esperança. Uma vez vivi um intenso amor com uma mulher Esperança. Acho belíssimo o nome e encontro amiúde a palavra na literatura, em poesias e canções. Por esses dias a palavra me pareceu piegas. Tão piegas quanto novelas de televisão. Encontrei no sentido de desejo, quiçá uma maneira mais apropriada de definir uma sensação mais do que um sentimento. Uma sensação que sobrevive a toda a tristeza atávica que conjura o ser humano. Estar num mundo que é triste apela para uma razão matemática do ser. A interferência elétrica do desejo, que é uma intervenção material, sensível nos músculos, no sangue, na temperatura do corpo, produz em mim a tal sensação, um fluxo de emocionada felicidade orgástica como a plenitude.  Na imaginação isso revelará então o sonho. A plenitude do ser consumada na imaginação. No mais profundo poço de melancolia sobrevive a eletricidade do desejo. Será possível a realizaçã...

KANT, MARX, NIETZSCHE

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  Ele deu ao cão o nome Kant; ao gato, Marx. Kant, porque queria o pensador vira-lata, um diógenes estoico. Marx, não soube o porquê. Marx, o mouro, tinha cabelo e barba negros. O gato era amarelo. Marx belo, impetuoso, inimigo de idealistas, espiritualistas, tão chão, e material. Expulso dos lugares onde atuou e autuou os exploradores de homens. O gato, preguiçoso, sem cercas, passeante sobre muros como se calçadas fossem. Cão e gato se davam bem. Lambiam-se. Mas cada qual no seu prato de ração. Individível. Na fome, não há civilidade que se sustente. E aí apareceu o sapo. Do nada, não se sabe de onde. Surgiu no jardim, sem convite. Deu a ele o nome Nietzsche. Telúrico? Talvez por isso. Nietzsche tomava banho no pote da água dos dois. Indiferente, cagava ali. De manhã, a água turva. Por que Kant e Marx não se zangavam com ele, não dava para entender. Kant diria para fazer aos outros o que poderia ser uma norma universal de conduta. Se ele caga, eu não cago. Se ele quer a guerra, q...

O CASO DA MOÇA COM AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA

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Soube há pouco do falecimento do professor, pesquisador e escritor Affonso Romano de Sant’Anna. Não sabia que estava doente, que tinha Alzheimer, essa doença que me assusta, porque sei que tudo o que somos se vai quando a memória acaba, que sem memória não há propriamente um sujeito. Segue logo depois de sua companheira, Marina Colasanti, o que me leva a pensar nos laços que ligam as pessoas, na ausência que conta para a decisão de partir, mesmo que precária seja a capacidade da vontade.  Daí me lembrei do caso da moça com o poeta. Vou contar brevemente, eliminando muitos detalhes, porque há coisas que ela não me autoriza a revelar, outras sim.  Ela fazia então uma curso de especialização. Uma primeira disciplina tinha sido um desastre: a professora de Tecnologia Educacional falava das técnicas, metodologias, tecnologias e ela discutia que tudo isso seria secundário, porque havia algo mais profundo e determinante, que seria, por exemplo, o recorte de natureza ideológica dos co...