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DONA BIBITA

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  Minha amiga, anos atrás, mudou-se para uma cidade mediana em seu estado natal e iniciou um trabalho em um antiquário. A loja vendia lindos moveis antigos, raros e de valor histórico, além de suntuosos objetos de decoração em porcelanas e cristais. Nos primeiros dias, ela tratou de ir conhecendo os clientes mais recorrentes da loja, e alguns moradores populares da cidade. Não escapou aos seus olhos a pequena Josefa. Josefa tinha entre vinte e trinta e cinco anos. A dificuldade em definir sua idade, era por conta de sua baixíssima estatura, pouco mais de um metro e quarenta em saltos altos, o que dava a ela uma aparência quase adolescente. Era natural da cidade, portanto, uma pessoa conhecida por quase todos dali. As crianças, ainda na fase infantil, deram-lhe o apelido de Bibita, que ela odiava. O apelido a perseguiu a vida toda e foi motivo de grandes discussões e, algumas vezes, até caso de polícia. Josefa passava em uma rua e não faltava quem gritasse, às escondidas, o sórdido ...

GATOS

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  Até que gostava de gatos. Achava-os elegantes e graciosos. Sempre manteve um em casa, com cuidados exclusivos. Pois, além da beleza, o gato cuidava de afugentar ratos e insetos. Preava pássaros imprudentes, pardais que enchiam de cisco as beiradas da casa. Efeito colateral inevitável que considerava excessiva, pois ao gato não faltava a ração suficiente. Matava pardais só por instinto. Nem o comia. O festival de penas e a carcaça do pássaro sujando a calçada. Até então, gostava de gatos. Entendia-os e se divertia, vendo sua agilidade e sua modorrice no sofá. Uma vida para poucos. Comer, dormir; dormir, comer. Tinha a destita de suas fezes, mais fétidas do que as de um cachorro ou mesmo de gente. Mas se é um gato só, contornável. Ocorre que, à sua porta, foram abandonando filhotes de gatos. Os filhos e a esposa, com dó, foram recolhendo-os, tratando deles. De um a um, chegaram a ser quatorze. No princípio, o miado desesperado dos pequenos órfãos que faziam das pessoas uma agência...

A avó

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  Acabara de nascer o netinho e a avó não cabia em si de tão feliz. Já tinha imaginado que a família não cresceria para além dos três filhos e duas noras. Os dias são difíceis e é necessário ter mais esperança que descrença para apostar no futuro, para entregar ao mundo uma nova criancinha, aliás, a mais linda do mundo, o netinho. É preciso acreditar que o país, mais adiante, tornar-se mais democrático, igualitário, justo, vencidos os preconceitos e intolerâncias, com mais consciência ecológica... E com direito à mais literatura que à pressa da leitura em textos elementares em redes sociais e de uso desavergonhado de IA. Para isso, enfim, milita a avó, afiando desde cedo sua foice e tomando nas mãos o seu martelo. Ou o computador. Tornara-se incapaz de concentrar-se no trabalho, o tempo todo à espera de que o netinho chorasse e pudesse, na qualidade de avó raiz ou quase, oferecer-lhe o colo. Com o colo, vêm as canções de ninar. Aí começou o problema. Inquietou-se um tanto com o rep...

Dinossauro

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  Fui surpreendido no trabalho por um telefonema aflito de casa. Era a funcionária: “Seu Zé, acuda, há um dinossauro dentro de casa”. Sem dar mais tempo para nada, desligou.  Mesmo não sendo um dinossauro, conjeturei, deve ser algo grave para ela alarmar assim. Que não fosse um bicho desses, mas talvez um jacaré-açu. Estava na cara que a gravidade era quase a mesma. Tranquilizei-me um pouco ao lembrar que ela frequentemente trocava os bichos uns pelos outros. Era a chance de o bicho ser menor e menos perigoso. Ainda que certa feita tenha exagerado jurando que uma lagartixa era um dragão de Komodo, era minha obrigação correr em socorro. Por via das dúvidas, acionei Bombeiros, SAMU, IBAMA, polícia e tudo quanto é órgão que me veio à cabeça. Não pude dispor dos préstimos dos tanques do Exército porque faziam faxina nas favelas cariocas.  Corri pra casa e quando lá cheguei os agentes de socorro e gente curiosa estavam indo embora de cara torcida. Aviei umas desculpas, que nem...

QUEIMADAS

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Vivi uma experiência em criança que guardei em segredo até o dia de hoje. A cena me foi tão contundente, tão forte que por dias e noites voltava a minha memória em momentos inesperados devolvendo instantaneamente a dor e o sofrimento que presenciei e que atravessaram meu espírito.  Andava por meus nove anos de idade e morava num pequeno prédio de um bairro bucólico do Rio de Janeiro – a Tijuca e sua emblemática floresta. Estava de férias e minha traquinagem matutina predileta consistia em descer as escadas do edifício, a partir do quarto andar, trocando pães e litros de leite das portas de todos os apartamentos que alcançava numa sorrateira carreira. Quando as famílias acordavam, criava-se uma confusão trajada de pijamas camisolas e caras de sono estupefatas entre os moradores. Pois houve o dia em que me pus à escada para cumprir minhas obrigações de moleque e deparei com uma mulher grávida, nua, com o corpo em chamas. Os braços abertos acima da cabeça, olhos esbugalhados, choro co...

Feira dos sentidos e sensações

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  O que é uma feira? A origem dessa palavra, do latim “feria” significa: dia de festa. É a festa dos sentidos: a visão, o tato, o olfato, o paladar e a audição. Olhando, tateando, cheirando, degustando e ouvindo, encontramos ocasiões especiais que nos proporcionam alegria, gratidão. Está aí um evento curtido por tantas pessoas. Bom pararmos para pensar nisso:  - Deixamos, para trás o dia, às vezes difícil, as preocupações, para encontrarmos na feira, uma calma benfazeja, o sorriso de quem está de bem com a vida. Enquanto passeamos entre as diferentes barracas, vamos despertando os nossos sentidos e a nossa imaginação. Consumidores, vendedores se tornam “amigos”, de repente. Basta uma pergunta do comprador, a resposta do vendedor e surgem lembranças, conselhos, receitas. Pois bem, em quarenta episódios dinâmicos, num ambiente acolhedor, que aguçava os nossos sentidos, surgiu uma bela “Novela literária”, nas feiras de Palmas.  Seu propósito era promover a divulgação da cult...

O MANGULÃO É NOSSO

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  Nunca vi ninguém reivindicando isso, por essa razão eu tomo logo a frente... O MANGULÃO É NOSSO. Sim. A partir de hoje se perguntarem para você tocantinense uma comida típica do seu estado diga: man-gu-lão. Você pode dizer galinhada, arroz com pequi, chambaril ou qualquer outra iguaria, mas inclua o mangulão.  Conheci o mangulão quando vim viver aqui no Tocantins em 2000. 26 anos de amor. Uma amiga da minha mãe fez duas formas de mangulão. Comi uma delas inteira. "Mas, mulher, como que tu deixou o Ciro comer um mangulão inteiro?!". "Coitado do bixim,  Laura, ele tava comendo tão satisfeito". Pois é. Foi amor à primeira dentada. Eu já adorava o primo próximo do mangulão que é o bolo de goma maranhense nas suas mais variadas versões, caroços e erva doce. Mas não é a mesma coisa. Assim como não é a mesma coisa que um pão de queijo gigante, como eu mesmo tento explicar quando falo do sabor e textura para quem não é iniciado no mangulão.  Há quem possa, a partir deste ...