Dinossauro
Fui surpreendido no trabalho por um telefonema aflito de casa. Era a funcionária: “Seu Zé, acuda, há um dinossauro dentro de casa”. Sem dar mais tempo para nada, desligou.
Mesmo não sendo um dinossauro, conjeturei, deve ser algo grave para ela alarmar assim. Que não fosse um bicho desses, mas talvez um jacaré-açu. Estava na cara que a gravidade era quase a mesma. Tranquilizei-me um pouco ao lembrar que ela frequentemente trocava os bichos uns pelos outros. Era a chance de o bicho ser menor e menos perigoso. Ainda que certa feita tenha exagerado jurando que uma lagartixa era um dragão de Komodo, era minha obrigação correr em socorro.
Por via das dúvidas, acionei Bombeiros, SAMU, IBAMA, polícia e tudo quanto é órgão que me veio à cabeça. Não pude dispor dos préstimos dos tanques do Exército porque faziam faxina nas favelas cariocas.
Corri pra casa e quando lá cheguei os agentes de socorro e gente curiosa estavam indo embora de cara torcida. Aviei umas desculpas, que nem sei se aceitaram, enfiei a cara envergonhada sala adentro e tranquei a porta. Virei-me e disse para ela: “Agora a senhora vai me explicar que história é essa de dinossauro aqui em casa”.
Ela não se fez de rogada: “Seu Zé, o bicho caiu do muro e começou o furdunço aqui comigo”. Quase caí duro no chão: o dinossauro de que ela falava era um dócil camaleão dos muitos que vagam do córrego dos fundos de casa para um quintal baldio ao lado, usando o meu muro como via de acesso.
Não a interrompi, entretanto, querendo ver até onde ia sua imaginação tão delirante quanto fértil. E ela narrou com todo o gás, antecipando que se apegara até com São Jorge para vir combater o ‘dragão’: “Tão logo ele bateu no chão, correu para dentro de casa. Clamando por tudo que é santo, tentei fechar as portas. Corria para uma, lá tava ele de cara feia e olhos arregalados, louquinho para me engolir. Juro, eu pensava assim: ‘dessa eu não escapo’”.
Tenho certeza que o pobre réptil, por sua vez, pensava a mesma coisa: “Essa mulher quer me devorar”. E cada um tentava escapar para um lado, encontrando-se em outra porta. E o mesmo pensamento repetia-se para ambos: “Virgem Maria, tô frito!”
Estavam nessa peleja de gato e rato, ou melhor, de mulher e camaleão havia minutos sem um levar vantagem sobre o outro. Cansavam-se. Em seu relato para mim, acusando sinceridade e vergonha, disse que por um momento pensou em capitular. Correu para a porta da cozinha com uma bandeira branca e topou de cara com o dito bicho também com o mesmo instrumento de paz. Espantaram-se e foi nova tropelia. Ele entrou apressado na despensa. Foi seu erro: não havia saída. Ela mais que depressa trancou a porta.
Foi então que ligou para mim, falando do tal dinossauro. Ainda estava ao telefone quando bateram à porta. Correu para atender. Eram São Jorge em seu cavalo branco que chegava para exterminar o dragão e Steven Spielberg que queria umas cenas exclusivas do dinossauro. “Quem falou de dinossauro aqui?”, arrepiou-se São Jorge. “Para mim, você falou de dragão”, esmoreceu-se todo enquanto a haste da lança beirava o chão, impotente. Ela estava atarantada: “Desculpe, meu santo, mas é um dinossauro deste tamanho”, confirmou exagerando, o que fez Spielberg recobrar a alegria. “Para mim é demais, tô fora!”, disse o santo batendo em retirada.
Quando ia fazer Spielberg entrar, chegaram a polícia, o IBAMA, Samu e Bombeiros. Aturdida, não sabia quem primeiro atender. O portão da garagem estava escancarado, a rua fechada por cavaletes, muita gente entrando e saindo de casa e os homens lá dentro vistoriando todos os cômodos. Por certo, contando encontrar um bichão, não olharam os detalhes nem esmiuçaram os cantos da casa. Disso deve ter se valido o pobre camaleão para escafeder-se.
Ao cabo de meia hora, os homens voltaram à porta de casa onde minha funcionária estava com um pé na calçada e outro na rua pronta para fugir ao primeiro sinal de perigo. “Nada, minha senhora! Não há bicho algum na casa. Sequer um pobre camaleão, como é comum por aqui”.
“Mas juro que havia um dinossauro lá dentro”, insistiu. “Tá bem, tá bem”, disse um bombeiro com o intuito de acalmá-la. Outro, intrigado com a presença de Spielberg no local, que igualmente decepcionado arrumava as tralhas de cinema para escapulir, perguntou: “Qual último filme a senhora assistiu?”
Foi fácil responder. Havia dois dias que levara um grande susto na telinha da TV vendo aqueles bichos enormes e famintos:
— Jurassic Park!
Foi quando eu cheguei.
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