A avó
Acabara de nascer o netinho e a avó não cabia em si de tão feliz. Já tinha imaginado que a família não cresceria para além dos três filhos e duas noras. Os dias são difíceis e é necessário ter mais esperança que descrença para apostar no futuro, para entregar ao mundo uma nova criancinha, aliás, a mais linda do mundo, o netinho. É preciso acreditar que o país, mais adiante, tornar-se mais democrático, igualitário, justo, vencidos os preconceitos e intolerâncias, com mais consciência ecológica... E com direito à mais literatura que à pressa da leitura em textos elementares em redes sociais e de uso desavergonhado de IA. Para isso, enfim, milita a avó, afiando desde cedo sua foice e tomando nas mãos o seu martelo. Ou o computador. Tornara-se incapaz de concentrar-se no trabalho, o tempo todo à espera de que o netinho chorasse e pudesse, na qualidade de avó raiz ou quase, oferecer-lhe o colo. Com o colo, vêm as canções de ninar. Aí começou o problema. Inquietou-se um tanto com o rep...