O Ermitão da Serra do Lajeado
Dizem que ele chegou faz tempo, mas tempo de mato, que não se conta em calendário, só em poeira e sol. Uns falam que deram fé dele numa tarde quente, quando o céu de Palmas sangra de laranja antes da noite engolir tudo. Outros garantem que ele sempre esteve por ali, feito pedra antiga, feito vento de agosto.
Mora lá no alto da serra, escondido entre os galhos retorcidos e os murmúrios da mata. Não tem casa, tem gruta. Não tem vizinho, tem bicho. Dizem que ele conversa com as corujas e entende o que as formigas cochicham. De comer, ele se ajeita com os frutos que o mato dá: pega cagaita, ingá, araticum. Às vezes, quando tem fartura, acham que ele faz fogo e assa mandioca brava. De beber, só água das cachoeiras, porque rio, quando não tá seco, corre limpo.
Mas não tá só. Nunca tá. Um lobo-guará anda sempre a seu lado, bicho esguio, de pelo vermelho queimado de sol. Dizem que o velho achou ele ainda pequeno, magro, abandonado na beirada da trilha. Criou como se fosse de sangue. O lobo cresceu, mas nunca largou o dono. De noite, vigia a porta da gruta e, quando uiva, até as árvores estremecem.
Gente já tentou puxar prosa com ele. "Que danado o senhor faz aqui sozinho?", perguntaram. O velho arregalou um sorriso miúdo, os zoios faiscando igual brasa no escuro. "Aqui eu escuto o que o mundo esqueceu de ouvir", respondeu, sem mais nem menos.
Dizem que já foi um tanto de coisa. Mestre de obra, poeta de jornal, tocador de viola de Buriti, andarilho de destino incerto. Uns contam que largou tudo por causa de uma mulher que nunca mais voltou. Outros acham que fugia de algo — ou de alguém. Mas verdade mesmo, só ele sabe. E talvez nem ele lembre direito.
As crianças da cidade adoram inventar lorota sobre o "Velho da Serra". Dizem que ele conhece pelo nome todas as plantas e que, nas noites de lua cheia, acende um fogo no topo da serra e fala com os fantasmas dos antigos. Os adultos riem, mas ninguém se atreve a passar por ali depois que o sol baixa.
E assim ele segue, feito sombra entre as pedras. Não é do mundo corrido da cidade, mas também não some de vez na solidão. Vive ali no meio, onde a serra esconde seus segredos. Ele, o lobo e o vento.
E talvez seja assim que ele quer ficar.
Comentários
Postar um comentário