CO YVY ORE RETAMA
Era um lugar bom, um cerrado vasto, de ventos secos e árvores retorcidas. Ali, os bichos seguiam sabendo as nuances do chão de quimeras e resistência. O lobo-guará, sempre atento com seu andar silencioso, o tamanduá-bandeira, que fazia suas rondas em busca de formigas, e o tatu, mestre em cavar buracos profundos para se proteger do calor. Todos viviam em harmonia, conhecendo os segredos daquele solo duro e as chuvas que vinham certeiras.
Mas, com o tempo, as coisas mudaram. O cerrado começou a receber visitinhas de bichos vindos de florestas úmidas e densas, de terras pantanosas e até de montanhas geladas. Veio o King Kong, que saltava entre as árvores como se tudo ali fosse brincadeira. O urso, com seu jeitão bonachão, decidiu que aquele lugar precisava de mais frio, trazendo um caminhão lotado de ar-condicionado. Veio também o urubu-rei, de terras distantes, que se instalou no topo de um ipê e passou a gritar ordens para todos.
E assim, os bichos do cerrado ficaram desorientados. O lobo-guará, que antes liderava silenciosamente, agora se encontrava acuado. Numa certa tarde, ele chamou os amigos do cerrado para uma conversa à sombra de um pequizeiro que havia recebido um novo nome – fava de bolota.
— Não reconheço mais este lugar — disse o tamanduá, balançando a cabeça. — As formigas parecem ter desaparecido com tanta confusão que trouxeram esses esquisitos de fora.
— E onde vamos cavar buracos agora? — perguntou o tatu, ansioso. — Esses bichos andam por todos os lados, dão ordens, fazem buracos iguais aos nossos esconderijos, mas nada disso serve para nós.
O lobo-guará suspirou, olhando ao redor. O capim dourado, antes tão abundante, agora estava pisoteado pelos pneus desajeitados da moto de um búfalo Bill Boy. E lá estava o javali, trombando nas árvores do cerrado, sem entender como os troncos podiam ser tão retorcidos.
— O problema — disse o lobo-guará — é que eles não estão dando a mínima para nós. Chegam, dão seus palpites, se candidatam, até ganham eleições, e vão embora. Ou ficam anos impondo o que observam nos seus umbigos. Enquanto isso, estamos ficando sem sombra, sem água fresca, mas com um infinito plantio de soja e só.
— O cerrado sempre foi difícil, mas agora está se tornando inabitável — disse a siriema, que chegava correndo para participar da conversa. — Esses bichos diferentes e ardilosos vêm, falam, mandam sem dó nem piedade.
— E o pior — continuou o tamanduá — é que eles dizem que tudo aqui está errado, que o solo não presta, que as árvores são estranhas. Querem mudar quase tudo.
Todos os bichos do cerrado concordaram, murmurando entre si. Sabiam que seu território estava sendo transformado, mas não por quem o conhecia, e sim por aqueles que pouco pertenciam a ele, com total desrespeito.
— Precisamos recuperar nosso lar — disse o lobo-guará, firmando as patas no chão. — Chega de aceitar essas ordens de quem só passa por aqui ou fica anos sem nos entender.
Os bichos decidiram se reorganizar. Voltariam a cuidar das grotas, córregos, buritizais, dos pés de mangaba e murici que ainda resistiram aos tratores, com suas próprias verdades e conhecimentos. Sabiam que seria difícil, mas não podiam deixar que seu lar se tornasse irreconhecível.
O cerrado, com seu vento quente e suas árvores tortas, precisava voltar a ser o que sempre foi: um lugar para os bichos que sabiam viver ali, com sabedoria e harmonia, incluindo os bons bichos de fora. Um pouco de astúcia e muita esperança.
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