Primeira Crônica no Ar!

 



Desde a antiguidade, o Homem tem a mania de se comunicar. Seja para se expressar, solicitar, pedir, trocar, vender e por aí vai. Com o advento do jornal impresso, passamos a escancarar nas páginas dos diários ou semanários, as nossas mais variadas aspirações e necessidades. E se existem alguns que preferem as páginas policiais, ou as esportivas, ou as políticas, ou ainda, os obituários, eu, particularmente, me aferro aos classificados. Vide o quanto é surreal ver hoje (via internet, claro), classificados em que eram vendidos escravos e escravas, há dois séculos, só para ficar num exemplo do quanto esdrúxulo nós, humanos, somos.

E agora, com a facilidade da grande irmã teia da web, os anúncios dos mais comuns aos mais inusitados nos grupos de compra e venda das redes sociais, abundam. Mas o que mais me chama a atenção, nem sempre é o produto ou serviço oferecido, mas os comentários que surgem. Batata, mamão com açúcar, cavalo selado, entre outros ditados populares que denotam uma fácil oportunidade. Nesse caso, para um mentiroso de plantão: eu.

Num grupo de classificados de Palmas, Tocantins, onde resido (digo o milagre, mas não digo nome do santo, digo, do grupo), alguém postou uma oferta de venda de frango caipira abatido. E não fosse o valor de cada um, o fenômeno social não se desenrolaria. Vinte reais. Isso mesmo que você está lendo. Vinte reais cada frango caipira abatido. E aí, já viu, né? Em poucos minutos começou a enxurrada de comentários, mais de 100, dos mais variados calibres: incrédulos, atônitos, perplexos, céticos, apaziguadores, defensores, acusadores, e tantos outros, que só lendo a seguir.

O primeiro a disparar foi um internauta moderninho: "Karai, galinha caipira na Black Friday". Outro, católico apostólico romano e gozador, já foi anunciando: "Caipira, esse preço é milagre kkkk". Pra logo em seguida ser aparteado pelo cético: "20 reais nunca vir falar", assim mesmo, língua portuguesa não se pode esperar nesse mundo. Outro também cético, foi logo desafiando o postador: "Serio". O prático e sistêmico foi logo disparando: "Tenq ter procedência!! Aí eu quero..." Aí foi a vez do apaziguador: "Gente pode ser uma galinha caipira pequena, exemplo uma Galizé". E um engraçadinho não perdeu a chance: "sem dúvida kkkkkk".

Mas as querelas ainda estavam por vir.

O técnico-especialista foi logo disparando: "Isso é galinha velha de granja que não bota mais e vai pra descarte. Não é saldável. Colocam corante pra dizer que é caipira". O anunciante, magoou: "não Cara por que vc fala isso". O acusador continuou e já foi logo partindo pra agressão: "Uma galinha caipira é entre 50 a 80 Reais. vai tentar enganar a vó". Como tudo é diminuto e reduzido nessa teia, o acusado foi se justificando: "migo eu vendo um pouco mais pequenha 1 Quilo mais o menos. Então da para vender em esse preço". Até que entra em cena o defensor dos frascos e comprimidos: "Ave Maria..q desconfiança das galinhas do cara poooorra......compram uma e tirem a dúvida...mímimimimi da porra meu...". Tá achando que o coro de despautérios e bate teclas terminou aí, se enganou.

O consumidor consumido pelo tempo pandêmico disperso geralmente na internet, foi logo se cobrando: "Pq eu não vi esse anúncio dois dias atrás. Comprei 3 dei 150 nas bixas". Outro, mediador dos mediadores nessa terra sem lei, foi logo dando uma de librista: "Que pena, quando alguém quer trabalhar com um preço justo é discriminado, vende por 100,00 que todo mundo compra achando o máximo". No que foi seguido por outro mediador mais alterado: "Engraçado, se ele estivesse dando as galinhas, com certeza ninguém ia querer saber se era caipira ou de granja ou até mesmo velha, mas como tá vendendo vem um bando de idiotas e criticam. Véi vc comprar se quise".

Tem mais? Tem.

Um outro, também católico e a princípio discípulo de São Tomé foi logo tascando: "Tá muito barata". Ao que um outro pacificador e também mediador foi taxativo: "é Galizé. Vale”. O dono do anúncio, já grilado, disparou: "não galinha caipira mais pequena". Aí um cidadão do mundo, que já viveu ou veio de outro estado, cantou a pedra do que seja morar na mais nova capital tupiniquim e não se aguentou: "Palmense é engraçado. Em nenhum lugar do Brasil um frango caipira custa tão caro como aqui. Povo tem costume de explorar e ser explorado, mal costume de quem vive em uma das capitais mais caras do Brasil". No que foi acompanhado por outro que também parece ter vindo de outras plagas e acrescentou a pedra de toque que arrebenta com esse brasilzão de meu deus: "nossa tudo que vc falou e super verdade. E uma das capitais mais cara do Brasil, e que tem uma das rendas salariais baixa. A riqueza está concentrada nas mãos dos políticos e dos empresários".

Nessa linha de fazer a catarse das nossas mazelas, um terceiro foi mais fundo ainda: "Palmas é um verdadeiro bolsão. De parasitas que vivem às custas do povo (políticos), de aproveitadores (comerciantes desonestos), de iludidos com as matérias pagas em jornais e revistas de fora, falando maravilhas sobre o estado, de sonhadores, acreditando que é normal termos a energia mais cara do país”.

Nessa costura sociológica e internética que já chegava no ponto nevrálgico das mazelas nossas, um outro foi logo situalizando a situação pornopolítica da Sereia do Cerrado, digo, de Palmas: "Uma das? Se vc sai na rua em Palmas, já gastou dinheiro, aqui tudo fica longe e o sistema de transporte além do mais caro do país, ainda por cima é o pior, a mera ilusão de ter um ar condicionado que não gela e um povo mesquinho, que quem não é filho de concursado ou rico, vive na fossa".

Depois dessa, só chamando os espíritos de Gilberto Freyre, Florestan Fernandes e Sérgio Buarque de Holanda. Ufa!




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