ORA POMBOS

 


Sem muita disposição para ler o único livro que trago na mochila e tendo três horas de espera de ônibus em Imperatriz, fui me ocupar da observação de pombos. 

Eu sei que deveria me ocupar de temas emergentes, como o da defesa da soberania nacional. Tenho medo de cochilar 10 minutos e acordar com notícia de golpe. Foi assim. Estava trabalhando longe do celular e perdi o momento exato em que o inelegível recebeu sua primeira tornozeleira. É impossível ficar atenta a tudo. Pisquei os olhos um dia desses e os EUA atacaram o Irã. Penso que posso segurar o tempo, inibir todo gesto, se não me distrair. 

Não consigo falar do genocídio em Gaza. Nunca imaginei viver isso: genocídio ao vivo e gente imbecilizada enrolada em bandeira de Israel. Não consigo dizer, não consigo ver as imagens que chegam. 

Covardemente, espio pombos. Uma dupla toma banho na água suja que corre ao lado da calçada. Felizes, voam e driblam o calor. Há um gordo. Bonito, com algumas penas azuladas. E me deparo com um morto, as pernas para o alto. Teria sido eletrocutado por um fio de alta tensão?

Na minha cabeça, uma canção de Chico. Morreu sem atrapalhar o sábado. Mas penso em Joana. Errou na dose, errou no amor, Joana errou de João. João deve ser o garboso pombo de penas azuladas. Joana está lá, no abandono da tarde.


Luiza Silva, escritora tocantinense

Ciro Gonçalves, artista tocantinense




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